quarta-feira, 30 de junho de 2010

QUANDO O ADEUS NÃO VAI



Seus sonhos foram inundados de sangue. Até a beleza do céu foi comprometida pela fumaça negra que fugia dos destroços carregando um cheiro carnificina.
Como sair naquele campo minado que se formara a sua vida, estaria armada a bomba no espaço que seria reservado para o seu ultimo passo? Não sabia, só sabia que  continuava no seu caminhar cansado e lento, ofertando para o destino a ultima parte da sua existência.
O nevoeiro escondia o caminho, solitário seguiu o soldado ainda tateando, apalpando o acaso como se fosse levando nas mãos a chance de vida que a morte lhe ofertara. Os seus passos o levavam para longe do som dos canhões que gritavam: morte!
Já longe, o soldado pode ver que além daquela espessa capa negra de fumaça, existia o azul do céu, azul, assim como o vestido que a sua mãe usava quando os seus olhos de adeus lhe viram partir para sempre, ou não.
Ele sorriu como há muito tempo não fizera e foi embora carregando essa lembrança nos olhos.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

NO SILÊNCIO ACONTECENDO


Nua. Nua e despida de qualquer olhar, ela dormia.
Seu corpo frio e contornado pela coberta da cama, apenas existia.
Amava a sua imagem refletida no espelho, mas, nunca olhava nos seus olhos.
Existindo estava a solidão estampada nos olhos daquela distância, banhada de orvalhos lacrimejados.
Seus sonhos agora são caravelas em alto mar.
Nua. Nua e fria ela chorava, como herege sem ilusões.



quinta-feira, 10 de junho de 2010

ALCOVAS NA EXISTÊNCIA



Silenciar pra depois ouvir.
Sentir alguma coisa parecida com o princípio das coisas que respiram.
A primeira semente que foi jogada no mundo com a missão de salvar a terra de sua improdutividade milenar, viveu na mais profunda solidão. De si teve que renascer, brotar, semear, renascer em umas, morrer em outras. Ela e o chão na sagacidade da existência e mesmo assim, o princípio talvez tenha se perdido.
A voz e o enigma do silêncio.
Encostar o ouvido no segredo repousando no útero do mundo sentindo suas vibrações e carregar nos braços o peso dos oceanos e o calor dos vulcões, sugar o alimento do íntimo da terra.
Se entregar a um sono leve e ouvir o barulho dos rios nascendo na profunda essência de vida.
A poesia se sente no silêncio do peito.
Parou no meio da estrada aquele olhar pra debandar-se com os pássaros.
E um beijo inesperado que tocou na face da moça assustou os pássaros que dormiam no escuro dos seus cabelos.

domingo, 6 de junho de 2010

HOSPEDARIA - Aromatizando Resquícios



Teus olhos eram tão cor de clorofila meu bem, por eles me inundei de verde.
Mas, meu bem, tudo naquele inverno era tão falso, parecia chuva quando fecha o céu de nuvens e não cai por medo de altura, assim ela se dissipa na sua atmosfera.
Igualmente o outono foi chegando como quem chega em terra estranha e teus olhos foram secando, descolorindo como um sol se pondo. E sua cor foi em mim sumindo tanto, que quase não te via mais no entrelaçado dos galhos da macieira que morava no meu quintal.
Desfazendo-se e eu me despedindo.
No compasso das horas e no acontecimento dos dias tudo se fez novamente em outro rosto, me deparei com olhos que cheiravam a café, olhos de café. Não entendi o mistério da sua cor, mais me cativaram.
Eles eram fortes e o seu amargo se misturavam a sua doçura, dando um sabor especial para as minhas manhãs geladas. Assustei-me com rápido o processo de metamorfose pelo qual eu era envolvida, e nesse processo de encantamento me refiz daqueles olhos que me deixaram acordada por noites a procurá-los na minha insônia.
Querê-los se tornou um vício.
Foi efeito quase imediato, sua cafeína se misturou aos meus sonhos e se tornou perene correndo pelos vasos sanguíneos, por tudo enfim que fosse meu.
Meu bem, tenho que te dizer que os olhos dele eram tão vivos, tão poéticos que um dia fui olhar a macieira que ti lembrava, e não vi nada mais que folhas outonais caídas no chão, mortas, quase incolor, senti tristeza por um momento, tenho que confessar.
Na carruagem que arratava o meu viver, eu andava em meio a um cafezal, e tudo se enchia de seu cheiro como se as sementes estivessem sendo fecundadas por a terra em uma conspiração perfeita.
Tão puras eram manhãs com seu aroma servido à mesa, a felicidade se espalhava entre os pães e as xícaras de porcelana devotadas a ele.
Feliz colhia tudo que aqueles olhos me davam e cada grão era fertilidade nos vastos campos que cobriam minha vida.
Mas, meu bem, o tempo passava e eu não me dava conta.
Um dia descobri que a safra passara e só restava o cheiro dele em uma xícara cheia de borra, fui no quintal e as folhas secas haviam sido varridas. Nada mais estava.
Sem cores e aromas do passado a manhã emergia, sei disso porque ela acontecia dentro de mim.
Também senti um cheiro de jasmim e crisântemos que entrava pela janela do meu quarto, então compreendi que as flores dos jardins não precisavam de estação para se tornarem esplêndidas.
Cultivando bem, até um casulo pode se abrir dentro, aqui dentro dessa paisagem quase morta.