sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Não venhas mais, se não para ficar


O ambiente era de detalhes.
Detalhe na cortina esvoaçante.
Detalhe no copo que cheirava a ebriedade e batom.
No casaco espalhado sobre a poltrona e no cinzeiro sem mais espaço para cinzas e filtros.
Nada de coisas nos devidos lugares, inclusive ela.
Quando reconheceu aqueles passos no corredor, quase não conseguiu atender a porta.
Nos pensamentos dela tudo estava ainda inacabado.
Procurava disfarçar com um sorriso a voz detida pela rouquidão das palavras desordenadas.
As mãos estavam tremulas pelo desequilibro das coisas, os dedos seguram com firmeza o cigarro para não deixar vestígios de tal ansiedade.
Como ela deveria agir diante daquela desordem de idéias, difícil mesmo era atuar com normalidade perante aqueles olhos tão divinos, perante aquele comportamento, às vezes, tão indiferente, ela só precisava de uma noite, enquanto ele tinha todo o seu universo nas mãos.
Da parte dela o desejo estava impregnado em todo o ambiente como nódoa que não quer sair, no cheiro deixado na sala antes e após a partida dele.
Mais uma vez a musica se repetia no aparelho, pra ela não era só a musica que se repetia, a sua noite parecia um carrossel girando incansavelmente no mesmo sentido. Uma roda gingante de pensamentos habitava sua mente.
Era ele voltando depois de muito tempo dormindo, apagado dentro dos seus sonhos.
Uma dor vinda da cicatriz.
Ele pra ela era como um fenômeno natural, que voltava e sem explicações desordenava toda a sua vida e ia embora.
Mesmo se despedindo ela esperava que alguém batesse na sua porta e dissesse: Não vá!
E assim a noite sempre se perdia entre os devaneios de um querer.

2 comentários:

  1. "Uma dor vinda da cicatriz"

    Cheiros, eternos e doces

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  2. Pena que nunca vamos para ficar. O único atributo que nos podemos atribuir é a impermanência. Tudo o mais não somos, passamos apenas por o ser. Um estar que já se foi. O fugaz nos diz muito, por lembrar-nos que como a chama de uma vela apagaremos, sendo imprescindível brilhar desesperadamente com todo o fôlego que nos resta nos instantes antes do apagar.
    A propósito, vamos dividir esta bela taça de vinho.

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