sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

AINDA HAVERA O ENCANTO GUARDADO



 Permaneci ausente por algum tempo, quando voltei já não era mais meu tempo, já não era mais a minha casa com a mesa rodeada de pessoas.
Quando voltei os moleques travessos da minha rua já não quebravam mais as janelas das casas jogando bola.
Quando voltei o vestido rodado de Aninha já não lhe cabia, por conta dos seus seios que cresciam. Era natal e todos, assim como eu, guardavam a solidão da vida que passou, de tudo que não voltará mais. O natal é triste na sua poesia cheia de luz , guardando sempre a lembrança da metamorfose que somos.
Como será triste para o Papai Noel quando o natal acaba, sem luzes festivas, sem presentes para entregar, sem pessoas a lhe confessarem seus desejos, sem o seu existir para os olhos esperançosos das crianças.
Era natal, mesmo triste aqui dentro, era natal.
E quando voltei, o mundo das minhas alegrias se tornara uma terra acidentada, como se estivesse sido atacada por um exército de iconoclastas. O fogo naquela noite ardia em saudade, saudade de abraços, de sorrisos, de mãos dadas, de um brinde as coisas eternas.
Voltei e não encontrei o berço dos meus acalentos, das minhas ilusões de outrora.
Era natal, e nem sequer encontrei a menina que me ofertava cartões com palavras de carinho todos os anos nas épocas natalinas, eu acreditava nos seus olhos de eternidade.
Mas o natal chegou e a menina não apareceu.
Eu, chorei e desfiz as malas, qualquer lugar para mim agora servia.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

PARA NIETZSCHE E RIMBAUD


O único anjo que vi
Espreitava a minha janela
Fiquei louco quando ouvi
Sua voz sinistra e bela

Salvou-me a juventude
Farei dela um tormento!
Com graças de finitude
Gozarei meu sofrimento

Encanta-me o bárbaro pagão
Que a liberdade conduz
Enquanto o pobre cristão
Sonha pregado a cruz

E grita que é liberdade
Com ares de hipocrisia
“O Deus morto, é uma verdade!”
“Ouçam minha heresia!”

Meu canto é pela vida
Não importa bom ou ruim
Desde que toda ferida
Deixe sua marca em mim

Serei feroz e vil
Com a pele de sol queimada
Retrato de um monstro viril
Hiena de fome insaciada

Que venha o ultimo dia
Nele minha alma se inflama
Esta injuria é minha alegria
Nela meu coração se dana

No decote da virgem louca
No demônio de uma garrafa
No gemido de uma voz rouca
No phallos que não se estafa

Não me abençoem a morte!
Que o retorno é eterno
Trairei deuses com a sorte
Brincando no seu inferno





De um cara que não quer dizer o nome.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

INTROSPECÇÃO


Não estou no começo nem no fim, sou o olho do furacão.
Permaneço perdida na estação que o tempo abandou.
Há horas em que meu ser procura se encontrar no lugar que nunca se perdeu, não sabendo em que terra, tempo, alma ou vida se descobri ao confrontar-se com os seus próprios tumultos.
A fuga seguiu amedrontada de um ser que emergiu de dentro, espírito talvez.
Matéria e definição.
Corpos celestes passeiam por a minha paisagem.
Deslizo no que já foi dito, coisas que não se sentem com as mãos.
Eu queria era sentir a dualidade das coisas, do doce e do amargo.
Tocar no que queima.
Ser, muitas vezes, desconhecido e náufrago.
De repente percebo que o que procuro está bem perto, e essa coisa me olha.


domingo, 17 de outubro de 2010

MAIS UMA CARTA PARA O Sr. LONGÍNQUO - AINDA RENASCENDO


Hoje menino, eu resolvi contar essa história pra você.
Não se preocupe com as borboletas, elas não morreram para o meu coração.
Começavam assim, todos períodos de colheita. Adubava terra, plantava com carinho as sementes sonhando com os seus frutos e esperava pela chuva. Todos os dias eu esperava pela chuva.
O horizonte quase sempre estava vazio, ela na maioria das vezes aparecia em períodos tão distantes uns dos outros, que as sementes nasciam prematuras, isso me entristecia. No tempo da safra o cultivo estava desnutrido da essência que eu tanto precisava, a chuva não trouxera as flores, e os pássaros fizeram seus ninhos em outros lugares.
Como sobreviveria sem aquele sonho...
A esperança fugiu, foi embora pegando carona em outros olhos.
E a tristeza veio na dissipação dos amores, sonho de nuvem carregada de vida.
Mais ela viria, fazendo renascer do escuro dessa terra um broto.
Cuidei, devotei minhas mãos e o meu coração para um sonho e colhi uma safra de solidão.
Nesse deserto dentro, dentro dessa eterna busca ainda existo.
Farei-me nascente brotando nos olhos dessa saudade delirante.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

PARA LEMBRAR SOMENTE




Para que amarrotar o meu dia com uma lágrima inútil.
Nem muito menos jogar no lixo o brilho dos meus olhos, o contorno do meu sorriso alegre, quando sei que há estrelas que brilham para mim com sinceridade, já que há pessoas que são diamantes falsos, ruim é quando descobrimos isso.
Depois continuamos nossa busca incessante, o bom é acreditar na nova escolha.
Quantas cartas devotadas, e quantas delas hoje são para mim nada mais que um arquivo morto.
Papel mofado com o tempo.
Por acaso, hoje encontrei com uma dessas entre os meus papéis, reli e pensei: foi uma boa inspiração.
Mas, inspirações se dissipam junto à alma das palavras que se perdem quando os significados não mais existem para as retinas contempladoras.
Não somos nós que escolhemos se o dia vai se de sol ou chuva.
Simplesmente vivemos de acordo com tempo, hoje fez um belo dia de sol aqui dentro.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

PARA ELA, UMA FLOR



A sua última herança da terra foi mortalha, branca e leve, estendida ao longo do seu corpo inerte.
Seus braços não mais carregavam o estandarte da sua vida.
Seus olhos eram velas apagadas pela ventania da noite.
A sua mortalha foi a sua bandeira de paz.
Ela se despediu de si mesma.
Pra que mundo vai nossos sentimentos quando morremos?
Alma também perece?
No dia da sua morte, ela quis morrer sozinha.
Nada de pessoas para segurar na sua mão e ouvir as suas últimas confissões.
Não quis deixar pra ninguém os seus pertences, eles como ela depois da morte, seriam naturezas mortas repletas de lembranças.
No criado-mudo permitiu uma fotografia que trazia nela a imagem congelada de um tempo feliz.
Também não deixou bilhetes de oferecimentos nem cobranças.
Ela amava tanto a solidão que morreu ao seu lado.
Subitamente um vento frio correu pela rua, era o primeiro dia de primavera.
As árvores também lhe ofertaram flores.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Não venhas mais, se não para ficar


O ambiente era de detalhes.
Detalhe na cortina esvoaçante.
Detalhe no copo que cheirava a ebriedade e batom.
No casaco espalhado sobre a poltrona e no cinzeiro sem mais espaço para cinzas e filtros.
Nada de coisas nos devidos lugares, inclusive ela.
Quando reconheceu aqueles passos no corredor, quase não conseguiu atender a porta.
Nos pensamentos dela tudo estava ainda inacabado.
Procurava disfarçar com um sorriso a voz detida pela rouquidão das palavras desordenadas.
As mãos estavam tremulas pelo desequilibro das coisas, os dedos seguram com firmeza o cigarro para não deixar vestígios de tal ansiedade.
Como ela deveria agir diante daquela desordem de idéias, difícil mesmo era atuar com normalidade perante aqueles olhos tão divinos, perante aquele comportamento, às vezes, tão indiferente, ela só precisava de uma noite, enquanto ele tinha todo o seu universo nas mãos.
Da parte dela o desejo estava impregnado em todo o ambiente como nódoa que não quer sair, no cheiro deixado na sala antes e após a partida dele.
Mais uma vez a musica se repetia no aparelho, pra ela não era só a musica que se repetia, a sua noite parecia um carrossel girando incansavelmente no mesmo sentido. Uma roda gingante de pensamentos habitava sua mente.
Era ele voltando depois de muito tempo dormindo, apagado dentro dos seus sonhos.
Uma dor vinda da cicatriz.
Ele pra ela era como um fenômeno natural, que voltava e sem explicações desordenava toda a sua vida e ia embora.
Mesmo se despedindo ela esperava que alguém batesse na sua porta e dissesse: Não vá!
E assim a noite sempre se perdia entre os devaneios de um querer.

sábado, 4 de setembro de 2010

Para o Sr. Longínquo não me esquecer - Outra carta sem espera de resposta





Sobrevivente do naufrágio estava eu.
Jogada em terra firme, o que já era muito, diante de tudo que tinha sido levado pela fúria do tempo.
Os destroços, a vida, o medo, tudo se confundia, se ofuscava para os meus olhos.
Cambaleante, sabia que a correnteza por ali havia passado, e eu ainda não sabia clamar por socorro.
Ausente do que era, eu só percebia que estava viva por causa das pulsações que ainda estavam latentes, apesar de toda a bagunça para se consertar.
Apenas viva eu estava, não era muito, mas era um começo.
Só queria levantar, caminhar e construir um horizonte, já que as nuvens negras ainda pairavam no céu.
Penso assim porque estou conhecendo o âmago de está em uma solidão desconectada de qualquer outra parte.
O Sr. já não se comove com o barulho da chuva, enquanto eu, sou a própria chuva caindo rotineiramente aqui, e não cansa.
A direção já não importa para os meus pés indecisos, só almejava chegar.
Chegar e bater na porta, sem desculpas.
Tão estilhaçado está o meu corpo que não sabe onde e a dor.
Mais dói, dói muito nessa estação.

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Para o Sr. Longínquo com devoção – 1ª carta depois de passadas estações




Assim disse a moça da previsão do tempo que o dia seria nublado com uma rápida passagem de chuva pela região, o motivo seria uma frente fria vinda do oceano.
E eu pensei comigo: chuva hoje!
E ele tão longe, será que choverá também na sua terra?
Parecia mais premonição, já que nos últimos dias eu andava me ausentando de sol.
Já não era previsão que as nuvens viriam para mim.
Naquela manhã preparada de ansiedade, em mim se formava o nome dele como um vulcão adormecido, despertando depois de uma história quase apagada.
Um poço perfurado dentro do meu dia composto de deserto e saudade.
E tudo vem, brotando como água salobra vinda dos olhos.
Mais o amor e o vinho guardado ainda estão à espera de um brinde.
E a saudade destilada se faz cada dia mais forte aqui dentro desse barril de lembranças.
Indecifrável é esse ciclo sem começo nem fim, e que existe dentro de mim chamando o teu nome.
Sr. Longínquo, tudo que sinto ainda está aqui.
Agora a chuva já existe na sua poesia molhada.
Arfando no galho dos dias, está o casulo da existência esperando por nós.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

DE CASO COM DESTINO



As mãos trêmulas com o peso do passado procuravam um rumo.
Só sentia o corpo gelado como madrugada de nevasca.
Assim ela chegou de forma inesperada como acidente em curva perigosa, era a saudade.
E o coração ficou trincado como lago congelando na superfície.
A prótese implantada não conseguiu suportar a pressão, e novamente estava o destino sem poder ser percorrido sem marcas explicitas na sua vida.
A tristeza escondida na escuridão dos dias existia em agonia. O amor que ainda não sabia quem era, só sabia que existia.
A lembrança decidiu abrir as cortinas para aqueles olhos que agora pensavam em chorar.
Mais tarde era um sonho longe de percorrer.
Há, sim era muito longe.
Brincar de fazer origami com tempo quando a imaginação já não tem asas pra voar.
Os joelhos estão feridos de preces rogadas, e os olhos já não acreditam no milagre da cruz.
E os temores infantis ainda estão guardados no porão da uma vida.
Abrir a porta dos medos; ela ousará?
Não. Não ousará. Sentir já dói muito.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

DELÍRIOS



O louco acontecia no seu delírio, eu acontecia nos delírios pecaminosos da carne, no louco.
Somente de alucinações e desejos já foi mais da metade de mim, o que sobrou doei para a solidão que ficou.
Há pessoas que nunca dizem adeus.
Essa velha casa de herdeiro é mesmo assim, morada antiga e perene.
Museu de relíquias, frases aleatórias que ficaram impregnadas. Ponte de lembranças, dando passagem para o acontecer agora, se o momento se faz propício.
Cheiro de lençol guardado.
Herança de olhares devotados.
Lembrança que é fogo em noites escuras.
A indecisão dos cheiros e suor suspensos no hálito quente da noite.
Vagando no quarto estavam pensamentos ainda trêmulos e ofegantes.
Louco, acrescentei alguns temperos a minha vida, depois de provar do teu paladar.
 Sua loucura veio e levou meus últimos suspiros.



terça-feira, 3 de agosto de 2010

NO LENÇO DA SAUDADE ACENANDO DESILUSÕES




As horas cansadas se aproximavam das dezoito, o dia terminava quente sob o céu avermelhado da cidadezinha recatada com aparência de interior.
No corpo deitado do horizonte reinava o crepúsculo que se insinuava acenando adeus. Derramada naquela despedida do dia, estavam suas lágrimas.
Outro mundo girava na mente do moço a observar a jornada poética do dia que dava seus últimos suspiros.
Despedida mesmo, era a sua história que se fora no emaranhado das desilusões, a criatura tinha um brilho forte nos olhos que eram marejados de mistério.
Observava a noite que vinha no seu galope lento.
O amante desnorteado não sabia o que fazer nas próximas horas, nunca se sabe, pensava.
Depois do acontecimento ele não sabia ser, se não um homem infeliz e solitário.
Estava a um quilometro de casa, desde que se perderá nos seus pensamentos, caminhar deixava sua alma leve.
Para ele o vazio o acompanhava, tudo era como sempre, a tristeza, o lugar estranho onde viveria.
Chorava quase sempre escondido  dissimulando a ferida aberta.
Isso doía.
Fechou os olhos e por um tempo viveu em pensamentos, talvez tenha adormecido sua alma de cansaço.
Havia dias que ele era assim.
Noite.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

HÁBITO DE QUERER ESTÁ



De repente passei a viver no silêncio da luz da lua.
Hipnotizados, meus olhos fugiram do rebanho. Tudo se tornou único.
A luz do luar.
A solidão descendo pelos seus raios parecia travessura de criança.
A noite também perdida na ilusão do universo lá estava.
Eu, apenas imaginação alçando vôo alto.
Sonhos e nostalgia, pra mim substantivos concretos.
Composto de matéria e espírito, esse ser que em mim habita, ousa está sempre.
Sempre no impronunciável de cada verso solto e leve como uma pena suspensa no ar.
Isso está em mim pairando como nuvem no aconchego da montanha.
Não sei o que dizem os sábios, mas, eu, talvez seja o desvio do curso do rio.
Talvez, só hoje.

domingo, 18 de julho de 2010

CANTIGA PARA APRENDER A AMAR POR QUE CHORAR JÁ SE SABE



Os lençóis subterrâneos do meu peito jorram.
Não sei qual amante fui, ou se me perdi na definição da coisa.
Queria encontrar um breve resumo de tudo que não sei de mim.
Encontrar a garrafa que foi arremessada ao mar com todos os meus segredos.
Mergulhar na gruta escura do oceano que se fez aquele sonho.
Construir no enigma das retinas a passagem para o tesouro.
Tenho a lembrança do coração que comportava todos os meus pertences, principalmente a minha lembrança da eternidade.
A noite negra acalenta os olhos das estrelas. Quase joguei meu corpo fora, quis sair de mim para ver como era o paraíso das almas. Um ateu me fez acreditar em Deus.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

PARA O HOMEM QUE NÃO SABIA CONSTRUIR SONHOS


Corei por que não sabia dizer eu te amo.
Sem querer tropecei um beija-flor morro entre as rosas do jardim.
Só queria saber em qual ponto eu desfaleci, em qual parte da estrada eu olhei de lado quando deveria seguir em frente.
Por que um brinde a felicidade se fingimos o sorriso ofertado, eu sei de mim e disso tenho certeza.
Eu dizia pra ele viver mais, não procurar em lugares distantes o que se pode encontrar perto, aqui dentro. Mais a sua linguagem era outra.
O que fazer para mudar o ciclo das coisas da vida, dos sentimentos que o ser humano carrega impregnado na alma.
Saber que tudo é psicológico não é um grande enigma, mais domar nossos instintos é como se estivéssemos dentro de uma mágica, sem saber se conseguiremos desvendar qual porta se deve abrir. Contemplar os olhos do ilusionista e acreditar que eles são verdadeiros, brincar de acontecer em um mundo de magias.
Talvez o coringa do baralho seja só uma ilusão de óptica.
Jogar pra cima uma moeda e apostar em um dos seus lados às vezes é cruel, qual será a sorte desse meu dia que já sinto a sombra a tristeza. Por ele quis me ausentar de mim, me afastar da fortaleza que eu pensava me rodear. É inevitável, minhas veias estão dilatadas, mais ainda posso acreditar na cura.
Coloquei minha alma em uma catapulta e a lancei no universo, só quero senti-la suspensa, vagando no ar em que me perdi.
Quem sabe o paraíso só exista no mundo de criança que ainda sobrevive dentro de mim.
Queria virar a ampulheta ao contrário quando os meus olhos estivessem cegos e o ar estivesse rarefeito.
Só tenho pensamentos vagando nessa concha vazia dos dias.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

NO SUSPIRO DOS DIAS –seguindo o seu percurso



Nunca recebeu flores, a não ser do jardim que se insinuava todas as manhãs para os seus olhos contemplativos.
Estava confusa, seu corpo, alma, sonhos, em que rotações se encontravam?
Se um dia se formasse um rebento no seu ventre ainda virgem, que nome lhe daria.
Assim como Vênus, não sabia se a deusa ou o astro, ela procurava indícios do seu princípio no universo.
Sentia sua vida tão cheia de passado, que desacreditava na idéia de presente e futuro.
Talvez aquela mulher não necessitasse de um episódio extraordinário naquela madrugada em que sono lhe causava receio.
Apenas uma coisa chamada esperança desviar-se dela nos últimos tempos.
Pensava na solidão que mais uma manhã lhe desejaria bom dia. Chorava sem procurar motivos para não morrer de agonia.
Desde que ele partira, assim se improvisavam os seus dias.
E, além disso, ainda aquela fragrância que ficara guardada no frasco de perfume.
Quantos rabiscos espalhados pelo chão da sua vida, como seria uma página escrita sem erros. Não sabia.
Perdão. Ela pedia para a sua alma cambaleante.
A tristeza se misturou ao pó daquela manhã sem objetivos.
Ela adormeceu sem nem saber mais de si.

terça-feira, 6 de julho de 2010

SEM SE SABER - noite sim, dia talvez


Acordo atordoada sem saber se estou mesmo de volta, o relógio pendurado na parede marca 6:00 horas, transtornada passo alguns minutos com a cara de morta observando o silêncio do meu quarto e o tic-tac do o relógio que tanto me irritava, agora é o que me faz companhia. Sentindo o sol cada vez mais próximo vejo que tenho que levantar e penso em mais um dia oferecido a mim como se fosse uma fatia de bolo ressecado do outro dia.
Terei que engolir.
O chão está frio e minha alegria miserável e medíocre me incomoda como os farelos deixados na mesa depois do banquete. Eu me lembro bem.
Vou até a janela, queria me despedir de mim e viver em um espaço de tempo que tudo estivesse em uma conspiração de paz.
Queria alcançar o fruto doce e vermelho, no entanto, o galho é alto demais.
A manhã está acontecendo, e sol apaga os resquícios da noite.
Sei que existi.
O horizonte me traz a idéia de que fui esquecida na mudança repentina.
 Será que acontecer é assim?
Sinto o vento frio da manhã entrar na casa vazia.
A valsa se fez em sonho. Estou voando.

quarta-feira, 30 de junho de 2010

QUANDO O ADEUS NÃO VAI



Seus sonhos foram inundados de sangue. Até a beleza do céu foi comprometida pela fumaça negra que fugia dos destroços carregando um cheiro carnificina.
Como sair naquele campo minado que se formara a sua vida, estaria armada a bomba no espaço que seria reservado para o seu ultimo passo? Não sabia, só sabia que  continuava no seu caminhar cansado e lento, ofertando para o destino a ultima parte da sua existência.
O nevoeiro escondia o caminho, solitário seguiu o soldado ainda tateando, apalpando o acaso como se fosse levando nas mãos a chance de vida que a morte lhe ofertara. Os seus passos o levavam para longe do som dos canhões que gritavam: morte!
Já longe, o soldado pode ver que além daquela espessa capa negra de fumaça, existia o azul do céu, azul, assim como o vestido que a sua mãe usava quando os seus olhos de adeus lhe viram partir para sempre, ou não.
Ele sorriu como há muito tempo não fizera e foi embora carregando essa lembrança nos olhos.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

NO SILÊNCIO ACONTECENDO


Nua. Nua e despida de qualquer olhar, ela dormia.
Seu corpo frio e contornado pela coberta da cama, apenas existia.
Amava a sua imagem refletida no espelho, mas, nunca olhava nos seus olhos.
Existindo estava a solidão estampada nos olhos daquela distância, banhada de orvalhos lacrimejados.
Seus sonhos agora são caravelas em alto mar.
Nua. Nua e fria ela chorava, como herege sem ilusões.



quinta-feira, 10 de junho de 2010

ALCOVAS NA EXISTÊNCIA



Silenciar pra depois ouvir.
Sentir alguma coisa parecida com o princípio das coisas que respiram.
A primeira semente que foi jogada no mundo com a missão de salvar a terra de sua improdutividade milenar, viveu na mais profunda solidão. De si teve que renascer, brotar, semear, renascer em umas, morrer em outras. Ela e o chão na sagacidade da existência e mesmo assim, o princípio talvez tenha se perdido.
A voz e o enigma do silêncio.
Encostar o ouvido no segredo repousando no útero do mundo sentindo suas vibrações e carregar nos braços o peso dos oceanos e o calor dos vulcões, sugar o alimento do íntimo da terra.
Se entregar a um sono leve e ouvir o barulho dos rios nascendo na profunda essência de vida.
A poesia se sente no silêncio do peito.
Parou no meio da estrada aquele olhar pra debandar-se com os pássaros.
E um beijo inesperado que tocou na face da moça assustou os pássaros que dormiam no escuro dos seus cabelos.

domingo, 6 de junho de 2010

HOSPEDARIA - Aromatizando Resquícios



Teus olhos eram tão cor de clorofila meu bem, por eles me inundei de verde.
Mas, meu bem, tudo naquele inverno era tão falso, parecia chuva quando fecha o céu de nuvens e não cai por medo de altura, assim ela se dissipa na sua atmosfera.
Igualmente o outono foi chegando como quem chega em terra estranha e teus olhos foram secando, descolorindo como um sol se pondo. E sua cor foi em mim sumindo tanto, que quase não te via mais no entrelaçado dos galhos da macieira que morava no meu quintal.
Desfazendo-se e eu me despedindo.
No compasso das horas e no acontecimento dos dias tudo se fez novamente em outro rosto, me deparei com olhos que cheiravam a café, olhos de café. Não entendi o mistério da sua cor, mais me cativaram.
Eles eram fortes e o seu amargo se misturavam a sua doçura, dando um sabor especial para as minhas manhãs geladas. Assustei-me com rápido o processo de metamorfose pelo qual eu era envolvida, e nesse processo de encantamento me refiz daqueles olhos que me deixaram acordada por noites a procurá-los na minha insônia.
Querê-los se tornou um vício.
Foi efeito quase imediato, sua cafeína se misturou aos meus sonhos e se tornou perene correndo pelos vasos sanguíneos, por tudo enfim que fosse meu.
Meu bem, tenho que te dizer que os olhos dele eram tão vivos, tão poéticos que um dia fui olhar a macieira que ti lembrava, e não vi nada mais que folhas outonais caídas no chão, mortas, quase incolor, senti tristeza por um momento, tenho que confessar.
Na carruagem que arratava o meu viver, eu andava em meio a um cafezal, e tudo se enchia de seu cheiro como se as sementes estivessem sendo fecundadas por a terra em uma conspiração perfeita.
Tão puras eram manhãs com seu aroma servido à mesa, a felicidade se espalhava entre os pães e as xícaras de porcelana devotadas a ele.
Feliz colhia tudo que aqueles olhos me davam e cada grão era fertilidade nos vastos campos que cobriam minha vida.
Mas, meu bem, o tempo passava e eu não me dava conta.
Um dia descobri que a safra passara e só restava o cheiro dele em uma xícara cheia de borra, fui no quintal e as folhas secas haviam sido varridas. Nada mais estava.
Sem cores e aromas do passado a manhã emergia, sei disso porque ela acontecia dentro de mim.
Também senti um cheiro de jasmim e crisântemos que entrava pela janela do meu quarto, então compreendi que as flores dos jardins não precisavam de estação para se tornarem esplêndidas.
Cultivando bem, até um casulo pode se abrir dentro, aqui dentro dessa paisagem quase morta.



segunda-feira, 31 de maio de 2010

TUDO SE FEZ PERENE NO CORPO DA ALMA




Elas estão unidas.
Nas suas peles virgens foi tatuado o nome de ambos.
Elas foram guardadas com cuidado dentro de uma caixa de delicado veludo azul
Dentro do bolso esquerdo do palitó elas se movem no compasso assimétrico do coração do jovem ansioso de mãos frias, quinze minutos, esse é o tempo do atraso, a insegurança deixa sua garganta seca. Onde estará ela...
Ele acaricia o seu bolso cujo presente que irá mudar sua vida está guardado.
Assim, nos seus pensamentos, deseja saber como estarão ele, ela e a sua vida daqui a dez anos.
A rosa vermelha deitada ao lado das taças de vinho, uma ainda vazia, deixa o ambiente com sabor de romantismo.
“O que as alianças significam na vida das pessoas - ele pensa - não essas que estão guardadas no meu bolso, mas sim as que envolvem as árvores genealógicas que se estendem ao longo das estações do tempo.
Apenas, me encantei por ela.
Não sei se por causa do nome, mas, Beatrice tinha olhos poéticos.
Quando a conheci foi como uma manhã de sol, seu toque na minha mão, seu olhar caminhando na mesma linha imaginária dos meus olhos, e finalmente sua voz quase tímida: Prazer.
E agora quero o seu rosto na eternidade dos meus dias.
Assim, feita de filhos e cheiro de comida.”

terça-feira, 25 de maio de 2010

PENSAMENTOS NÔMADES – Procurando um lar



Os gatos arranham a madrugada dos telhados frios e protetores dos sonos inocentes.
Distante ainda pode se ouvir o barulho de uma TV ligada, provavelmente alguém adormecera sem se dar conta.
Pelas ruas quase vagas sinais abrem e fecham automaticamente, deixando a paisagem com aroma de monotonia e silêncio.
Algum mendigo dormindo ao relento sonha com o conforto de uma cama quente e o cheiro das cobertas limpas, o orvalho da madrugada deixa tudo frio e úmido.
Paisagens sonolentas se estendem pelas ruas, viventes noturnos carregam suas angustias solitárias.
As pálpebras da madrugada alta pesam sonolentas abrigando os seus devotos.
O sono se mistura no que está acordado.
A noite se estende no tempo em um segredo saboreado de solidão.
Apenas uma confissão de querer está em carne e alma.


quarta-feira, 19 de maio de 2010

A ÁRVORE E SUAS ÍNTIMAS CONFISSÕES



No verão é quando mais doe.
Seus braços que eram aconchego onde os pássaros faziam seus ninhos, agora estão desabrigados como alguém que clama por socorro. Esses moços emigraram para acolherem-se em outras moradias.
As canções que ela ouvia também voaram nos bicos poéticos.
Ensurdecida é agora pelo o barulho de vento rasgando o silêncio seco e abrasador.
Na madrugada ela sente saudades de suas roupas que a protegia do orvalho frio.
Não tem mais o cheiro de flores nem borboletas nos seus cabelos.
Tudo amanhece lento.
No outono é quando mais chora.
Automaticamente sua face se torna amarelada, seus olhos tristes vão discernindo toda a paisagem se modificando, vestindo o chão com as folhas inertes.
Enquanto ela, pouco a pouco é descoberta como mulher nua e solitária a espera de um carinho.
Inverno é cobertor ou vontade dele.
Ela sente sono e descansa por um longo período sentindo seu corpo ligado ao mundo através de suas raízes.
Todas as noites ela sonha com o aroma e o colorido dos campos.
Senti seu interior revigorando, sua respiração mais forte.
Desabrochar é primavera, amar novamente.
A vida soprou nos seus ouvidos em manhã com cheiro mato fresco dizendo:
Cheguei, acorde.
Era ela!
Seu coração palpitante quase não teve tempo de se espreguiçar.
Reconstituindo-se rapidamente, ela tratou de gerar sua roupagem juvenil.
Em pouco tempo ela era árvore feita, revestida de folhas que dançavam no ar, deixando pingar por entre elas pedacinhos azul do céu.
As flores ornamentavam a vida silvestre.
Ela pôde novamente enxergar a revoada de pássaros voltando para musicar novamente a sua vida.

quinta-feira, 29 de abril de 2010

DESABRIGANDO ANSEIOS



Um dia fugi de casa.
Como pássaro que vai embora por uma distração do seu dono,  nunca mais volta à gaiola.
Joguei fora aquele brinco, cujo par, eu perderá em uma noite que já não faz mais sentindo algum.
Também deixei que escapasse o cheiro envelhecido das pétalas mortas de amor perfeito que eu guardara dentro daquele livro predileto.
Acordei aqueles olhos inocentes que dormiam em um sonho fugitivo.
Abri as comportas e me deixei levar pela correnteza.
De o silêncio deixado jorrar, ouvi gritos contidos naquele velho sigilo trancado.
Fugindo, fui deixando pelo caminho as peças de roupas que não me serviam mais.
Percebi que era pouco o que tinha agora .
Parei, olhei tudo se dissipando e segui, levando apenas um bando de pensamentos.
Só isso.

domingo, 11 de abril de 2010

SOLIDÃO: lado a lado com ela



Tenho medo da solidão.
Quando sinto o seu cheiro pela rua e o leve toque das suas mãos acariciando meu corpo.
Apavora-me e encanta, a sua respiração ofegante arfando ao meu lado.
Quando apago as luzes e a sua alma gelada de fantasma me perturba e dorme ao meu lado.
Tenho medo dessa solidão que chega de repente no riso inexpressivo.
Dessa solidão que me aborda na hora do choro sem um ombro disponível ao sofrer impregnado.
Solidão é a falta de ar quando dói o peito.
Tenho medo da solidão no copo vazio, quando espero alguém com carinho.
Tenho medo da solidão em cada ruga que me aparece.
Onde tenho mais medo da solidão, é quando a encontro ao redor de quem eu queria companhia.
A solidão me afeta os nervos, desfigura meus sonhos.
Com ela nos encontramos em terra fria.
Tenho que suportar a solidão quando se faz em nó na garganta.
Tenho medo da solidão nas palavras.
Quando o coração chama em silêncio por o amado.
Tenho medo dos seus olhos na embriaguez barata que se estende na madrugada.
Na manhã cheia de ressaca amarrotada de noite.
Demasiado é o degustar da sua companhia.
E quando a chuva vier quero me despir dessa capa nostálgica que me envolve.
Molhar-me na abundancia de uma coisa chamada vida.
Não compreendo, mas, a solidão me alucina.

sábado, 3 de abril de 2010

NOSTÁLGICA LEMBRANÇA




Ela se aproximava, carregando no seu ventre um reservatório de vida, a nuvem vinha pesada.
Navegando no azul do horizonte, derramando aos poucos o seu chuvisco ela surgia.
Eu, perdida na chuva dos meus olhos quase me alaguei, fazendo parte daquele semblante de tarde triste cheirando a terra molhada.
Uma saudade dos tempos inocentes de menina me inundou, quando corria na chuva com as outras crianças como se a vida fosse eterna e plena.
Naquele tempo eu não entendia por que existia a tristeza.
Senti no corpo a sensação de quem navega em um navio nostálgico em alto mar.

segunda-feira, 29 de março de 2010

ESBOÇO DE UMA ALMA EM FUGA




A dor decepou a mão que ofertava para o papel os seus escritos e a página arrancada e amassada com tristeza não pôde mais ser confidente de um amor guardado, como se ela fosse naquele momento, um pedaço de uma vida jogado fora, a página quase nua, com a sua pele branca foi rabiscada e jogada fora.
Apenas uma palavra apresentava a primeira cena daquela tragédia, era saudade o primeiro detalhe de um pano quase sem costuras, nodoado de lágrimas que caiam de uma face inerte.
Brincando com a vida, essa nostalgia levou os carretéis e agulhas que entrelaçavam a alegria dos amantes poeticamente belos, na passagem dos dias as suas vidas perderam-se no caminho e hoje o que se compõe, são restos de coisas emaranhadas de sentimentos próximos do passado. Tudo se denuncia na pulsação dos desejos guardados estendidos diante de uma lembrança, e a mulher com as suas mãos frias chora lembrando de um tempo que existia uma lareira acesa na sua vida e o inverno não era tão frio assim no seu coração.

quinta-feira, 25 de março de 2010

LEMBRANÇAS DE ELVIRA




Ela era uma menina doente, desde pequena já sofrera de uma coisa que lhe causara estranheza.
Solidão era o nome.
Segundo sua mãe já nascera assim.
Desde que Elvira começou a entender as coisas, seu olhar sempre estava fora do bando, perdendo-se de propósito constantemente, para encontrar-se em outro mundo.
Com o tempo isso se tornou muito sério e Elvira cada vez mais era incompreendida na sua particularidade.
Uma das coisas que ela mais adorava era ver, no outono, as folhas secas caírem não entendendo direito o fenômeno, Elvira só sabia que ficava ainda mais triste nessa época e a delicadeza das folhas amareladas caindo pareciam com a cena dos seus olhos quando choravam.
Com o tempo Elvira passou a fugir de casa e dentro do seu mundo se compreendia no ato de ser e existir. Fluindo.

sábado, 13 de março de 2010

ADORNANDO A SOLIDÃO DE UMA MANHÃ




 A moça na janela olhava com sutileza os pingos de chuva que fluíam das nuvens densas.
Seu olhar perdido nos delírios daquela ilusão de chuva ansiava por descobrir os sabores de tantos poemas celestes que agora, caiam em suas mãos pequenas e delicadas.
A essência das flores perfumadas que aromatizam a manhã da moça sorridente, é trazida pelo vento que chega sorrateiro para não roubá-la da paisagem em que está inundada.
Uma melancolia nasce, chega com a leveza dos pingos que se despendem choramingado nas margaridas que por gentileza nasceram nas pequenas brechas que as pedras deixaram aleatoriamente.
Quem via aquela cena, jurava que nada demais importante estaria acontecendo naquela manhã com semblante de pintura, uma manhã agasalhada com seus cachecóis.
 Mas alimentando de alegria os olhos daquela moça, um casulo se rompeu e o velho canteiro de flores se alegrou com a chegada colorida de uma borboleta ainda menina, mas que carregava nas suas asas a alegria de uma primavera.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

INUNDANDO-SE NO VIVER – como não seria assim





Ele vive sentado na janela das paisagens que tanto aprecio.
É só dar um vento no capinzal que lá está ele. Confundo-me no que é mais belo, se o capinzal ou a minha procura de um olhar.
Valsando com a menina dos meus olhos ele faz do meu sono uma festa.
Esconde-se na cortina entrelaçada dos meus cílios para depois me desejar bom dia.
Brinca de acalento nos meus cabelos trançando de poema minha manhã.
Quando triste, ele flutua nas minhas lágrimas e chora junto com elas.
Do meu olhar o que será ele senão uma eterna colheita.
Uma apreciação.
Tão colibri ele é, fazendo pouso na saudade já apurada como mel de flor.
Do sempre, quero somente o manchado envelhecido do tempo nas folhas de um papel que deixarei escrito a devoção das minhas palavras.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

PONTILHANDO UM SONHO – Uma lembrança revestida




Ainda lembro da lágrima borrada na sua face.
Tudo se arruinou.
Perdeu o encanto para aquela contemplação festiva.
A rua ainda estava molhada do sonho que transbordara.
A chuva de carnaval com as suas lágrimas coloridas de confete caíam sobre a noite, já apresentando resquícios da triste manhã acinzenta.
A caixinha de música perdeu o som e o seu dia escorregou na monotonia das horas desmascaradas.
Restos de fantasias ainda coloriam o morrer das ruas vazias de alegria.
Uma ilusão de pássaro pousou no galho da árvore quase desnuda.
E ela alegre jogou suas folhas mortas no chão para vestir-se unicamente com a clorofila que vinha correndo nas artérias do seu âmago.
Com o seu pouco verde, ela ainda podia conseguir a contemplação de um olhar.
Vestir o seu mundo, sentir o corpo revigorando da carcaça inerte.
Com o bordado de água ela pontilha o seu vestido de criança.
Amei a máscara feita de sonho que cobria os olhos da menina triste.

sábado, 20 de fevereiro de 2010

SABOREANDO AS ESTAÇÕES DE UM OLHAR



Quero escrever esse texto com sabor de algodão doce.
Dar-lhe vida antes mesmo que a sua primeira respiração taciturna possa existir no meu ventre dando sintonia às palavras.
Pensar na sua existência completa é amar uma rosa vestida de vermelho desabrochando para o cortejo dos olhos tristonhos.
Quero aqui dizer que se falar em alma é brincar de ciranda. É também saber amar o desenho de uma criança como se fosse A Alegoria da Primavera do Botticelli.
É saber amar o amado que já partiu, como se ama a poeira cósmica que guarda o fulgor do espírito das estrelas que fecharam seus olhos.
Na plenitude quero alegrar minhas vestes para uma espera.
Quero presentear o mar com flores na esperança que o juramento se cumpra.
Quero regar as árvores secas e sem vida.
Quero também que o vento da noite semeie os meus desejos, para que as ervas daninhas não corroam meu coração.
Quero sentir uma lágrima alegre molhar meu sorriso.
Quero, espero, anseio que teus braços enlacem minha vida e nossas almas se encontrem como no sonho de balão voando no céu.
Sei o que sinto.
Somente.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

CASULO ABANDONADO



Como uma mulher que tece a mortalha para esperar o corpo do filho voltar da guerra, me senti paisagem manchada de tristeza.
Um soldado em tempos de guerra sonhando com o cheiro de frutas frescas colhidas no quintal de casa.
Um aroma sonhado, uma flor brotando em meio à carnificina.
A neve congelou meus pés e o frio taciturno da montanha entorpeceu os meus pensamentos.
O trovão da tempestade ensurdeceu meus ouvidos.
Os arbustos fecharam o caminho que outrora fora um rumo para os meus dias cheios de névoa.
Sou um pássaro que voa sobre um oceano que, cansado se entrega ao mar como se, oferenda fosse.
Amputaram meus sonhos desnudos na ternura da entrega.
Confidenciando um desejo, me entreguei ao inimigo.
Meu coração é uma aranha que tece sua teia no escuro mistério da noite e, ao amanhecer oculta-se como
bicho assustado.
No horizonte se guarda a ânsia de um olhar, uma espera.
Uma âncora se aprofundando nas águas do cais abandonado.
No entanto, na insignificância dos dias, aos poucos a existência se renova.
Um broto de vida também pode nascer de um tronco decepado.
Tudo se metamorfoseia na vida, uma marionete do tempo.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

O CHORO DA NOITE – orvalho de melancolia





Tudo dormia.
Apenas um pirilampo vagando sozinho na madrugada, com a sua pequena lamparina e o seu feixe de luz solitário, iluminando somente o seu minúsculo corpo suspenso no ar. A noite sonâmbula vaga desnorteada entre as estrelas e os troncos misteriosos das árvores.
O que se ouve respira em mim, como animal hipnotizado.
Minha vida calada, sem atrito com as horas, aflora. Qual será o próximo casulo que ela se enrolará.
Uma criança é entregue ao rio como oferenda, e o vento noturno a leva naquele barco sem destino algum.
Meus olhos são fontes para o regato das lágrimas, que se fazem em cachoeira e deságuam na terra fria da paisagem desnuda do ser que naufraga em alto mar.
Sou raiz que suga da terra das solidões o choro da saudade, nutrindo assim a árvore sonolenta desses dias frios e tristes de uma lembrança que dói no peito.
Qual será o sentido das pedras inertes?
Profundo é o mistério da gruta cujo em suas paredes virgens, foram rabiscadas as primeiras escrituras da vida humana.
Mais afinal, em toda a existência, para quem foi devotado o primeiro olhar de saudade.
Assim tudo é peneirado, e tudo flui.
Tudo dormia.
E um coração acordava.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

A INSTROSPECÇÃO DA ROSA EM TERRENO FEMININO



Descobrir.
É assim que tem que ser.
Como um jardineiro busca a beleza de suas rosas cultivando seu jardim todos os dias.
Tem que adubá-lo corretamente, regá-lo nas horas certas para que assim possam nascer novos galhos, novas folhas e flores exalando perfume.
Quando não requer desses cuidados a rosa chora, emurchece e fica despetalada, ausente dos carinhos das mãos daquele homem que a faz sentir-se em plenitude no seu amanhecer.
Um carinho de orvalho deslizando pelos seus contornos.
Quando está triste sonha com um colibri.
Na salvação de um beijo, conduzindo sua essência para um germinar em outro mundo coberto de sensações.
O vento noturno a faz sentir a dor arranhando as suas pétalas e perfumando outros espaços com o cheiro de seus cabelos.
Aroma de mato recém-nascido
Tão misteriosa é a sua beleza.
Morrer para renascer.
Enfim.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

LACRIMEJANDO UM SONHO – serenando saudade




Não tenho idéia, nem ilusões.
As que me passam por aqui são resumos do que já foi um dia.
O pergaminho que está escrito a língua do tempo, ainda contem a tinta fresca dos rabiscos de uma vida, escorrendo nas minhas mãos impunes.
Um fantasma está refugiado nos escombros do bombardeio, e na permeabilidade da dor meu pensamento é uma nota perdida da harmonia, embrulhada em um pedaço de som vagando no ar, ninguém pode lhe ouvir, senão a poesia do seu existir.
Acidento-me nas crateras que foram abertas por a tempestade noturna.
Nessa escuridão que me abita, posso encontrar tudo o que anseio, tocar as coisas e senti-las minhas, e no despertar da minha consciência, posso abrir olhos e ainda assim tudo será penumbra para esse vôo raso.
O silencio se transborda em chuva, e no seu existir, tudo se faz no pequeno espaço que sobra no intervalo das gotas.
O sofrimento é um lagrimejar de sereno, uma reserva nostálgica de um manancial.
Um dia encontrei resquícios de uma alegria fingida, era um resto de maquiagem do palhaço que adormecera sobre o cansaço e as cobertas úmidas de uma madrugada gelada.
Tão encharcada é a saudade de um tempo, que se colhia flores não pra enfeitar seus mortos, mas, para adornar a casa em uma manhã dominical cheia de crianças correndo pela sala com os seus risos e gargalhadas festivas, com os seus olhos tão primaveras.
Na vida, nesses momentos solitários ouço as minhas pulsações arfando em um buraco negro.
Meu coração sempre me desconserta, quando está agonizando.
Penso na morte e me despeço.
Lembro da tarde que fugimos com quase nada nas mãos, apenas com um resto de sonhos guardado em nós.
Eu, e minha alma estamos em um lugar inabitado, sem o sonho-bússola que nos indique o caminho de casa.
Naquela tarde ainda sentíamos o cheiro do perfume doce que aquele sonho carregava.